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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Sabores e aromas da culinária Goiana


Sabores e aromas da culinária Goiana.

Aproveite o carnaval para explorar os sabores e aromas da culinária Goiana nas cidades próximas à Brasília.

- Mané-pelado, pamonha, empadão, galinhada, compotas, doces cristalizados e licores. No tabuleiro ou no tacho, a cozinha goiana revela com simplicidade toda a sua riqueza, graças a uma fusão de sabores adaptados das culinárias indígena, portuguesa e africana. É também por meio dessa comida tradicional, feita no fogão a lenha, que pequenas regiões próximas ao Distrito Federal, como Pirenópolis, Chapada dos Veadeiros e Cidade de Goiás, contam um pouco de sua história, impressa nas receitas familiares mantidas por gerações. Para quem pretende aproveitar o feriado de carnaval em algum desses destinos, o Querocomer buscou o que há de mais tradicional nos roteiros e o que vale a pena experimentar.


Viagem ao século 18


Visitar a Fazenda Babilônia, em Pirenópolis (GO), cidade a 137 Km de Brasília, é como voltar no tempo e reviver um pouco da história e da gastronomia de mais de 200 anos atrás. No antigo engenho de cana-de-açúcar ─ erguido nos fins do século 18 e tombado como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ─, a arquitetura colonial e os muros de pedra esculpidos pelos escravos ainda estão preservados, assim como a capela original dedicada à Nossa Senhora da Conceição.


Querocomer - Cultura e Gastronomia de Goiás - Pirenópolis - Cidade de Goiás - Chapada dos Veadeiros - Cora Coralina

Nos fins de semana e feriados, o passeio pela propriedade termina com um café colonial (na fotoacima) inspirado em antigas receitas da região, típicas de um Goiás rural. A mesa farta reúne mais de 40 delícias produzidas na fazenda, como almôndegas, carne de porco caipira assada e conservada na própria banha, paçoca de carne-seca, linguiça suína caipira, galinha caipira, queijos (requeijão feito no tacho de cobre, ricota temperada e frescal), biscoitos (de polvilho, de queijo, salgados ou doces), bolo e broa de fubá, pamonhas, pães variados (caseiros, de alho, de mandioca), pão de queijo, brevidade(biscoitinho de polvilho, ovos e açúcar), Mané Pelado (bolo de mandioca), pau-a-pique, entre outros. Este último é uma variação do beiju, assada na folha da bananeira e que leva, além da massa da mandioca, queijo e coco ralados, leite de coco, ovos e manteiga de leite. A visita à Fazenda Babilônia sai a R$ 50 por pessoa, incluindo o passeio guiado e o café colonial.



“Meu café é um resgate antropológico. Adoro contar a origem e a transformação dos pratos. Tudo na gastronomia tem uma explicação. Ela é história”, garante uma das herdeiras da fazenda, Telma Lopes Machado, 62 anos. Como exemplo, ela cita o bolo da senzala, um preparo de fubá de canjica com leite, garapa, cravo, canela e açúcar, assado na folha de bananeira. “Era uma receita muito usada pelos escravos pois a cana-de-açúcar era um ingrediente de fácil acesso. Por ser forte e nutritiva, era dada aos escravos à vontade. Assim, os senhores de engenho economizavam com outros alimentos”, conta.

Telma não deixa escapar nenhum detalhe. Para tudo o que está em sua mesa, ela garante uma explicação. Nem o pão de queijo, um dos ícones da cozinha mineira, foge às suas observações. “No século 18, não havia farinha de trigo no Brasil. Foi na tentativa de fazer o pão tradicional com polvilho, que essa receita surgiu. Por isso digo que o pão de queijo não é só de Minas. Também é de Goiás e, principalmente, do interior do Brasil”, defende.


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A fama do pão de queijo de Dona Sebastiana, 78 anos, considerado um dos melhores de Pirenópolis, está aí para comprovar a afirmação de Telma. “Inventei essa receita há 45 anos. Com ela, criei meus 10 filhos. Meu segredo está no preparo. Enquanto os outros escaldam e utilizam ingredientes de baixa qualidade, eu uso tudo cru e do melhor. Faço a mistura na gamela de madeira, com queijo meia-cura, e amasso com leite. Depois, levo para assar no forno médio” revela Sebastiana. O resultado é um pão de queijo sequinho por fora e macio por dentro, a R$ 0,90 (a unidade) e a R$ 25 o quilo.



Há alguns anos, a especialidade, que ajudou Dona Sebastiana a sustentar os filhos, virou um negócio de toda a família. “Agora, a turma toda me ajuda: filhos, netos, nora. Não escondo a receita de ninguém. Sei que meu segredo é o amor que sinto”, diz sorrindo. Além de seu carro-chefe, ela vende compotas de frutas da estação, geleia de jabuticaba (R$ 8), pasta de caju seco (R$ 20, o quilo) e outras guloseimas. Tudo preparado na cozinha da sua casa.

Ainda em Pirenópolis, é fácil encontrar arroz com pequi, peixe na telha, galinhada, pamonha, frango com guariroba, castanha de baru e tantas receitas e ingredientes que marcam essa cozinha regional. O restaurante Piqui de Piri, na Rua Direita, por exemplo, oferece clássicos como o frango caipira com pequi ou com quiabo, acompanhado de salada verde e legumes, a R$ 35 (a porção para duas pessoas). Já o arroz com guariroba (um palmito amargo) sai a R$ 10 a porção.

Marmita tradicional

O clima místico que predomina na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros (GO), a cerca de 250 Km de Brasília, tem tudo a ver com comida natural. Mas a cozinha do lugar vai muito além disso. Lá é possível apreciar a simplicidade das receitas caseiras goianas, que traduzem a cultura local. É o caso damatula ─ um cozido de feijão, enriquecido com carnes, inclusive algumas partes de porco, além de farinha de milho, como se fosse um tutu, só que mais elaborado (foto ilustrativa abaixo).


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A matula era o principal alimento dos peões no século passado, um tipo de marmita usada pelos trabalhadores rurais da época. A receita mais famosa da Chapada é oferecida no Rancho do Seu Valdomiro, à beira da estrada, entre Alto Paraíso e a Vila de São Jorge. Seu Valdomiro, um senhor hospitaleiro, nascido e criado na Chapada dos Veadeiros, garante deter o segredo do preparo, considerado o melhor da região ─ feito com feijão branco ou mulatinho cozido com carne-de-sol, linguiça, pé e pele de porco, lombinho ou carne de porco conservada na própria gordura. Tudo bem temperado e refogado, misturado com farinha de milho e servido na folha de bananeira, a R$ 15 (individual). Para acompanhar, a sugestão são os licores de frutos típicos, como buriti e pequi, também criados por Seu Valdomiro.

Ao explorar a riqueza dos ingredientes locais em pratos mais elaborados, quem se destaca é a Pousada Casa das Flores (foto abaixo), na Vila de São Jorge. No menu, receitas como o filé de surubim ao molho cremoso perfumado com pequi, acompanhado de espaguete com palmito e brócolis ao alho, a R$ 29,90; o frango grelhado com molho de tamarindo e leite de coco, guarnecido por arroz integral com gengibre e batatas assadas no azeite e alho, a R$ 29,70; e o gratin de bacalhau ao creme de baru (lascas do peixe em cama de mandioquinha salteadas no alho-poró, com pimentões coloridos e alcaparras) escoltado por arroz com raspas de limão, a R$ 37,70.


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Doce Poesia em Goiás Velho

“Algumas pessoas se surpreendem como uma mulher que escrevia versos tão bons e contos de rara sensibilidade também podia fazer doces de tanta qualidade. Mas não havia contradição nas ocupações da goiana Cora Coralina. A autora de Vintém de Cobre ─ Meias Confissões de Aninha (1983), que Carlos Drummond de Andrade chamou de ‘moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado’, também irradiava lirismo puro e saboroso pela doçaria”, relata Claudia Scatamacchia, em seu livro Cora Coralina ─ Doceira e Poeta.


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Não por acaso, a poetisa descreveu como ninguém, em detalhes de dar água na boca, a riqueza culinária de sua terra natal. Reconhecida em 2001 como Patrimônio Histórico e Cultural Mundial pela Unesco, aCidade de Goiás, também chamada de Goiás Velho, a cerca de 340 km de Brasília, abriga as doceiras mais famosas do Centro-Oeste. Entre colheres, tachos de cobres, caneta e papel, Cora se referia à gastronomia como a arte mais elevada de todas, ligada às coisas da terra, que são essenciais ao ser humano. Ela tanto divulgou as guloseimas de sua cidade como também não guardou segredo sobre suas receitas. Além de ensinar, deixou várias delas registradas. Tamanha foi sua contribuição que sua casa foi transformada em museu (foto acima) ─ hoje, possível de ser visitado até pela internet.


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Descendo pelas suas ruas de pedra, é comum encontrar casinhas coloridas com portas abertas, exibindo mesinhas de doces. Dentre seus preparos mais famosos estão os de frutas cristalizadas e compotas,pastelinhos (um tipo de tortinhas com massa de farinho de trigo e recheio de doce de leite), bolinho de arroz (feito com coalhada, açúcar, queijo ralado e fubá de arroz), flor de coco (fitas delicadas de coco) e um doce de nome árabe, trazido pelos portugueses e adaptado aqui: o alfenim, que significa aquilo que é branco, alvo (al-fenid). Esse último, infelizmente, corre risco de se perder no tempo.




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Modelado a mão livre no “puxa de açúcar” (ponto consistente de uma massa branca feita basicamente com água e açúcar), o alfenim ─ por ser muito trabalhoso e pouco valorizado ─, atualmente, é vendido por uma única doceira de Goiás Velho: Dona Silvia, uma senhora de 80 anos, que passou cinco décadas da sua vida dedicada à arte de transformar açúcar em escultura. “Ninguém quer fazer porque não dá lucro. Já tentei ensinar, mas todo mundo acha muito complicado. Ainda acredito que não vou levar comigo essa receita. Sempre vai ter alguém com coragem para aprender, seja pela necessidade ou pela vontade de manter a tradição”, diz confiante. Para executar a receita, além de dedicação, Dona Silvia avisa que é preciso estar com as “mãos frias”. “Os alfenins (foto abaixo) são muitos sensíveis. Acordo cedo para fazer, porque se o tempo esquentar eles derretem nas mãos”, explica. Cada peça custa apenas R$ 1.


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Serviço



Dona Sebastiana
Rua Nova, Nº 13, Pirenópolis.
Diariamente, das 6h30 às 18h30.

Dona Silvia
Praça Brasil Caiado nº 38, Cidade de Goiás; (62) 3371-1312.

Fazenda Babilônia
Acesso pela GO-431, Km 3, 26 km de Pirenópolis; (62) 9291-1511.
Domingos, sábados e feriados, das 9h às 16h. Demais dias, a combinar.

Piqui de Piri
Rua Direita, 13, Pirenópolis; (62) 3331-3397

Pousada Casa das Flores
Rua 10, Qd. 14. Lt. 2, Vila São Jorge, Chapada dos Veadeiros; (62) 3455.1055.

Rancho do Seu Valdomiro
GO-239, no caminho entre Alto Paraíso e Vila de São Jorge.


Fotos: banco de imagens / divulgação

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